Quando você se sentir sobrecarregado, lembre-se que existem mais espécies microbianas na terra do que estrelas em toda a nossa galáxia
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By ESO/A. Fitzsimmons (http://www.eso.org/public/images/potw1320a/) [CC BY 4.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0)], via Wikimedia Commons |
Durante séculos, os seres humanos se esforçaram para tentar descobrir e descrever toda a diversidade biológica da Terra.
Cientistas e naturalistas catalogaram espécies de todos os continentes e oceanos, desde as profundezas da crosta terrestre até as montanhas mais altas, e das florestas mais remotas até as cidades mais populosas.
Esse grande esforço lança uma luz sobre as formas e comportamentos possibilitados pela evolução, ao mesmo tempo em que serve de base para a compreensão da descendência comum da vida. Até recentemente, acreditávamos que nosso planeta fosse habitado por quase 10 milhões de espécies. Embora não seja um número pequeno, essa estimativa é baseada quase que exclusivamente em espécies que podem ser vistas a olho nu.
E quanto às espécies menores, como bactérias, archaeas, protistas e fungos? Coletivamente, esses táxons microbianos são as formas de vida mais abundantes, difundidas e de maior evolução no planeta. Qual é a contribuição desses microrganismos para a biodiversidade global?
Quando microrganismos são levados em conta, estudos recentes sugerem que a Terra pode ser o lar de cerca de 1 trilhão espécies. Se for verdade, então todo o grande esforço para descobrir a biodiversidade da Terra feito ate agora só conseguiu catalogar um milésimo de 1% de todas as espécies do planeta.
A estimativa da diversidade microbiana, mesmo nos habitats mais comuns, apresenta um conjunto único de desafios.
Por mais de um século, os cientistas identificaram espécies microbianas primeiramente cultivando-as em placas de petri e depois caracterizando propriedades celulares, juntamente com aspectos de sua fisiologia, como tolerâncias térmicas, os substratos que consomem ou as enzimas que produzem.
Tais abordagens subestimam dramaticamente a diversidade existente, não apenas porque é difícil cultivar a grande maioria dos microrganismos, mas também porque espécies microbianas não relacionadas podem desempenhar funções similares e é improvável que sejam distinguidas por sua aparência.
Em meados da década de 1990, um número crescente de microbiologistas começou a abandonar as técnicas de cultivo em favor da identificação de organismos através do sequenciamento direto de ácidos nucleicos, como o DNA. Foram coletadas amostras de todos os lugares que se pudesse imaginar, como águas oceânicas, superfícies foliares, sedimentos de terras úmidas e até biofilmes dentro de chuveiros.
Na última década, esses métodos foram drasticamente aperfeiçoados para que milhões de micróbios individuais pudessem ser amostrados de uma só vez. Com essa abordagem de alto rendimento, aprendemos que uma quantia super baixa de solo, como um único grama, pode facilmente conter mais de 10.000 espécies de microrganismos.
Da mesma forma, sabemos que quase 10 trilhões de células bacterianas formam o microbioma de um ser humano, ou seja, quase 10 trilhões de células bacterianas vivem dentro de nossos corpos. Esses micróbios não apenas auxiliam na digestão e nutrição de seus hospedeiros, mas também representam uma extensão de seu sistema imunológico.
Olhando para além de nós mesmos, micróbios são encontrados na crosta terrestre, na atmosfera, em qualquer parte e profundidade dos oceanos e até nas calotas polares.
No total, o número estimado de células microbianas na Terra gira em torno de 1030, um número que supera a imaginação e excede o número estimado de estrelas no Universo. Naturalmente, isso levanta a questão de quantas espécies podem realmente existir.
Longas listas de espécies foram feitas para quase todos os ecossistemas da Terra, com quase 20.000 espécies de plantas e animais descobertas a cada ano. A maior parte dessas espécies são besouros, mas relatos de roedores, peixes, répteis e até de primatas não são incomuns.
Embora seja excitante para os biólogos e para o público, novas espécies de plantas e animais contribuem apenas cerca de 2% ao ano para o número total de espécies, um sinal de que podemos estar nos aproximando de um censo quase completo desses organismos no planeta.
Em forte contraste, o número de novas espécies sendo descritas está crescendo rapidamente no mundo microbiano. Há alguns anos, de um único aquífero no Colorado, os cientistas encontraram 35 novos filos bacterianos; um filo é um grupo amplo que contém milhares, dezenas de milhares ou, para micróbios, até milhões de espécies relacionadas.
Os filos descobertos naquele aquífero somavam 15% de todos os filos bacterianos previamente reconhecidos na Terra.
Para colocar isso em contexto, os humanos pertencem ao filo Chordata que inclui animais como mamíferos, peixes, anfíbios, répteis, pássaros e tunicados. Somadas todas as espécies conhecidas dentro desse filo chega-se ao número de "apenas" cerca de 65.000.
Tais descobertas sugerem que estamos na ponta do iceberg em termos de descrever a diversidade da biosfera microbiana.
Idealmente, deveria haver acordo sobre o que constitui uma espécie, se quisermos obter uma estimativa da biodiversidade global. Para plantas e animais, uma espécie é geralmente definida como um grupo de organismos capazes de se reproduzirem e gerar descendentes viáveis.
Esta definição, infelizmente, não é muito útil para classificar espécies microbianas porque elas se reproduzem assexuadamente. Além disso, microrganismos podem transferir genes entre indivíduos intimamente relacionados através de processos conhecidos como "transferência horizontal de genes," que é semelhante à recombinação que ocorre em organismos sexualmente reprodutores.
Apesar das dificuldades, existem maneiras de categorizar organismos com base em ancestralidade compartilhada, que pode ser inferida a partir de dados genéticos. A técnica mais comumente utilizada para delinear táxons microbianos envolve comparações de sequências de genes de RNA ribossômico (rRNA).
Este gene está envolvido na construção de ribossomos, as máquinas moleculares que são necessárias para a síntese de proteínas em qualquer forma de vida conhecida.
Ao comparar as semelhanças entre sequências, os cientistas podem identificar grupos de táxons evolutivamente relacionados sem precisar cultivá-los ou caracterizar meticulosamente sua fisiologia ou estrutura celular.
Das muitas ressalvas associadas a essa classificação de táxons microbianos baseada em rRNA, está o fato de que essa técnica provavelmente subestima o verdadeiro número de espécies.
Se assim for, então a recente previsão de que a Terra pode abrigar um número de até 1012 espécies poderia, de fato, ser uma estimativa conservadora, apesar de sua incrível magnitude.
Conhecer o número de espécies microbianas na Terra pode ter implicações práticas na melhoria de nossa qualidade de vida.
A perspectiva de biodiversidade ainda a ser explorada pode estimular o desenvolvimento de combustíveis alternativos para atender às crescentes demandas de energia, novas culturas para alimentar nossa população em rápido crescimento e medicamentos para combater doenças infecciosas emergentes.
Mas talvez haja uma razão mais básica para querer saber quantas espécies compartilhamos com o planeta.
Desde os primórdios da civilização, a sobrevivência de nossa espécie dependia de tentativas e erros com plantas, animais e micróbios que tentávamos colher, domesticar ou evitar.
Nosso interesse pela biodiversidade também reflete uma curiosidade intrínseca sobre o mundo natural e nosso lugar dentro dele. Seja para admirar, proteger, transformar ou explorar, os humanos nunca procuraram ser totalmente ignorantes das espécies que habitam a Terra.
Este artigo é uma adaptação feita à partir do texto original que foi publicado em Aeon.
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